Perdi o meu passaporte

Perdi o meu passaporte. Fui três mil vezes aos mesmos sítios, esvaziei cada gaveta, caixa, mala e bolsinha. Revirei tudo. Antigamente, eu nunca sabia o paradeiro de nada, o caos interior manifestava-se em todos os possíveis mini caos da vida mundana e o perder coisas ou não saber delas? Uma constante.

Digamos que, entretanto, não tive muita escolha e a vida obrigou-me a tornar-me organizada. Volta e meia claro que ainda se dão fenómenos de camisolas vestidas ao contrário, ou lembrarem-me que estou a ir embora descalça, mas muita coisa mudou na última década de existência e uma delas foi eu passar a saber das minhas coisas que, por sua vez, também passaram a ser cada vez menos.

O passaporte é suposto estar num lugar super lógico, prático, acessível. Mas não está. Será que o deitei ao lixo nas mil revisões feitas? Estive dois dias à procura até ter dado como caso arrumado: “mistério do ano”. Por motivos de despedidas e corações apertados, a minha mãe veio até ao Porto estes dois dias. Já me tinha perguntado um milhão de opções onde poderia estar. “Não mãe, já vi aí… oh mãe achas que eu já não fui aí?”.

Ontem, estava eu a caminho de tratar de uns afazeres de última hora e liga-me com a boa-nova: “Naná encontrei o teu passaporte!”. Jura. Muito obrigada, mas ONDE? “Estava na latinha da tua mesinha de cabeceira!!”. Não é possível. A primeira lata a que me dirigi e que eu esvaziei mais que uma vez? Até debaixo da lata vi. “Era a primeira coisa que se via ao abrir a lata”, disse-me com ar meiguinho.

Quando a minha mãe me encontrava milagrosamente coisas das quais eu não sabia, além de dar graças pela criação das mães, sentia-me idiota. Desta vez, porém, foi diferente. Eu tinha tanta certeza que sabia onde estaria, fui tantas vezes a todos os sítios possíveis que mais parecia um fenómeno à Toy Story.

Isto não era mais um caso básico do quotidiano de quem tem a vida de pernas para o ar, entendem? Eu falhei simplesmente em ver algo que estava, de uma forma muito descarada, bem em frente ao meu nariz.

Às vezes estamos tão preocupados em encontrar algo que aquilo pode estar escancarado à nossa frente e para nós… népia. Sem sinal. Foi-se a bateria do detetor.

Por muito independentes que nos tornemos,
por muito que façamos da auto-suficiência um objetivo de vida, há uma verdade que é me é imperativa e que se revela em vários momentos simbólicos, como este: nós precisamos uns dos outros. E vamos precisar sempre, em diferentes dimensões. Não só para nos tornarmos melhores pessoas, para ultrapassarmos tempestades e festejar as alegrias da vida.

Às vezes estamos desesperados à procura de algo que é nosso, está ali, escarrapachado em frente ao nosso nariz e passa-nos ao lado. Não são precisos grandes esforços e aventuras, às vezes tudo o que precisamos é de uma dose de paciência e carinho, o suficiente para com cuidado abrir a p*ta de uma latinha na mesinha de cabeceira. 

Texto original publicado no Facebook a 8 de abril de 2021

O mundo mudou, papá

O meu pai dá aulas na escola pública há 41 anos. Já encolhemos os ombros juntos muitas vezes. Lembro-me do corpo atlético dele e da paciência e entusiasmo com que ensinava, em pequena sempre gostei de assistir a várias aulas dele. Era vigoroso, destemido, exemplificava com o corpo. Ensinava os “crescidos” do secundário, tratava-os por engenheiros. Toda gente lhe tinha muito respeitinho mas eu também reconhecia a admiração geral. Em Resende criou as Férias Desportivas, como o meu avô tinha criado os Jogos Juvenis em Gaia, dando oportunidade a que todas as aldeias do concelho praticassem desporto nas férias e nos pudéssemos encontrar, conhecendo realidades diferentes enquanto crescíamos. Fora isso, treinava um grupo de ginástica e aproveitava o pavilhão para ainda pôr um grupo de senhoras a mexer o rabo.

Quando nasceu, os astrólogos leram que o Sol estava em Virgem e a verdade é que tem dedicado a vida dele ao trabalho e a ajudar os outros a conectarem-se com o seu corpo. Já encolhemos os ombros juntos várias vezes. Ora lhe congelaram a progressão na carreira, ora adiaram a idade a que poderá finalmente reformar-se, cada novidade que os governantes lhe davam era mais um motivo de suspiro.

Foi diretor da escola dois anos e quando novas regras vieram e a coisa se tornou em mega agrupamento, esteve mais nove anos como subdiretor. Cresci rodeada de professores, dos que trabalham em escolas públicas, que passam décadas em colocações ora aqui ora acolá, em modo instabilidade constante, mergulhados entre a dualidade de querer formar o mundo e a frustração de fazer parte de um sistema da idade da pedra.

Não conheci muitos professores felizes com o ofício, embora tenha conhecido muitos que deram o seu melhor enquanto ignoravam por períodos de de 45 ou 90 minutos o descontentamento coletivo da profissão.Ao meu pai, com 41 anos de ensino e 61 de idade, ainda faltam seis anos para se reformar. O corpo e a mente já não se alinham com o desporto como outrora, mas ainda vejo nele os olhos doces, que agora pedem óculos, e o compromisso em dar o melhor que pode.

Vejo-o a adaptar-se à idade e ao mundo, mas nota-se o cansaço. “E ainda faltam seis…” e eu que já trabalho há dez até troco os olhos com as contas. Nunca há de se ter imaginado a dar aulas sentado no sofá. Eu e a minha irmã vamos rindo, também nunca nos imaginamos a assistir a aulas dele na cozinha.

Entre vídeos, links e fichas, exercícios e alterações de definições do “teams”, faz-nos “shhh” que vai iniciar mais uma lição. Lá faz uma pergunta sobre um tal vídeo que tinha pedido para verem. Fica a olhar para o ecrã e nos auriculares não há sinal de movimento. Olha por cima dos óculos e suspira. “Bem, vou pôr isto de outra forma. Quem é que daqui VIU o vídeo?”……………”.

Mais um suspiro enquanto procura o tal do link, partilha o ecrã e eu vou num instante dar uma ajudinha para que não lhe falte o som. Sento-me no maple em frente, do outro lado da mesa em que normalmente comemos e olho para ele com carinho. Sobe um degrau com as sobrancelhas e espreita por cima dos óculos.

O mundo mudou, papá… e nós lá encolhemos os ombros juntos, mais uma vez.

Texto publicado no Facebook a 17 de fevereiro de 2021

The End of the F***ing World

Quando era miúda encontrava imensas pessoas famosas na rua. Ao contrário do que acontece agora, sabia sempre quem eram e reconhecia toda gente da televisão.

Cheguei a ter um caderninho só para autógrafos e fiquei mesmo ofendida quando, para aí aos seis anos, as Tentações me recusaram uma assinatura num restaurante em Resende. Que más.

A vida vingou-se e acabei a dançar com os Anjos em direto na Praça da Alegria aos 10 anos, quando fomos lá falar sobre o facto de Resende ter tido a primeira escola preparatória do país com um programa de intercâmbio europeu para professores e alunos. Só saí do estúdio quando tive o meu caderno devidamente assinado por toda e qualquer possível alma que eu tivesse reconhecido da televisão. Aquilo era mesmo importante para mim, ora não ficassem ali guardados, na minha história, aqueles seres que partilhavam ecrã com os meus desenhos animados preferidos.

Com o tempo veio a noção de que aquelas pessoas eram tão normais quanto eu. No final do dia, todos eles comem, cagam e choram, não é verdade?

Além do mais, deixou de ser suficiente partilharem o ecrã com os meus heróis preferidos, a maioria dos ditos famosos revelavam-se pessoas cujo trabalho não puxava muito pela minha admiração. Tal e qual como acontecia na minha vida, já não bastava simplesmente aparecer para ganhar uns pontos de consideração. No meu caderninho, comecei a guardar nomes menos conhecidos mas que me trouxeram as memórias mais lindas.

Além disso, a timidez. Na adolescência, foram dias e dias seguidos fechada no quarto a ouvir música, a ler e escrever, ou a fazer recortes em revistas e jornais, mas sobretudo a debater-me com a necessidade de estar sozinha.

Começava a ganhar as primeiras noções de espaço e a perceber que só conseguia ser extrovertida com determinados grupos, em momentos e contextos próprios e a ideia de ir ter com uma pessoa desconhecida e pedir-lhe um autógrafo assim, só porque sim, tornou-se bizarra.

No entanto, em dimensões paralelas, davam-se os meus primeiros passos de coragem para partilhar o que ia escrevendo e aprendi o quão saudável pode ser um gesto de validação artística, o quão bem sabe ser acarinhado em resposta ao amor e dedicação que pomos na nossa manifestação criativa.

Por isso, como em tudo, o truque é encontrar o equilíbrio e se eu gosto e admiro o trabalho de alguém, seja ou não conhecido, dando-se a oportunidade certa, o filtro cai e lá deixo que o coração diga o resto, às vezes de formas que até a mim surpreendo.

A vida ensinou-me que há formas lindas e subtis de expressar admiração e reconhecimento sem invadirmos o espaço de ninguém. E sabe tão bem aos dois lados!

Há uns meses, estava eu a trabalhar na gestão das operações do Waking Life, na entrada do festival, quando um dos voluntários me pergunta entre dentes: “Balolas. Balolas! Este não é o ator do The End of the F***ing World?”.

Ora estava eu a morrer de sono, acabada de entrar no turno e a distribuir os sacos do lixo que o pessoal tinha de mais tarde devolver cheios, quando o Alex Lawther pára à minha frente.
Se o rapaz não me tivesse chamado à atenção, distraída como sou provavelmente nem reparava, mas realmente… só podia ser ele.

Como sou boa a passar momentos embaraçosos, numa de precaução, a única coisa que me saiu depois da saudação de boas vindas automática e sentida foi: “Sorry, is it possible that I may know your face from somewhere?”

Muito tímido, simples, com ar de miúdo fofo e com um sorriso atrapalhado respondeu-me “hum… I don’t know… but it’s not impossible, I am an actor in England… maybe is that?”

Sorri e não me saiu nada. Na-da. A timidez dele ativou a minha e pronto, eu que adorei a representação dele na série da Netflix, bloqueada pela aleatoriedade da coisa perdi uma bonita oportunidade de lhe dar um “passou bem” emocional.

Disse-me adeus com a mão e eu atrapalhada respondi. Que naba. Zero. Qual validação artística… nem uma das minhas saídas com graça, nem uma piada ao lado, nada. Mas enfim, dei-lhe um saco do lixo. Ri-me sozinha.

O festival foi passando e ainda me cruzei com ele uma vez perto do lago. Não me viu mas eu fiquei feliz por constatar que se estava a divertir. É que tem mesmo ar de bom miúdo.

Depois de uma semana para lá de intensa, com muitas emoções à mistura, muita dança, muito amor e muito trabalho, chegou por fim a última e derradeira tarefa da nossa equipa, já sem voluntários: organizar os autocarros para que o pessoal fosse embora feliz e contente da vida.

Um calor abrasador a la Crato, pessoal de ressaca filas e filas e filas e autocarros e autocarros e autocarros. Nós? Cheios de pica. Estava quase quase quase. Já meia a derreter, meia a desidratar, lá andava eu toda feliz a distribuir o pessoal e a contar lugares por preencher.

Sentia-me realizada, não só tínhamos sobrevivido quanto constatado que a terceira edição do festival tinha sido um sucesso. O Waking Life é um projecto incrível, fruto da boa vontade de uma comunidade intercultural do qual me sinto feliz por fazer parte.

As pessoas amaram o festival, havia aquela sensação de nostalgia no ar, eu mandava piadas para o pessoal se animar e ordenava-lhes que regressassem no próximo ano.

1,2,3….. Ok entram mais dois! Afinal mais um. Oh! O casal tinha saído para trocar a mochila. Estes dois que entraram, afinal têm de sair, constato. Lá volto a entrar para os avisar quando de repente prontos a alapar o rabo depois do Tetris das mochilas eles lá se viram. Claro que era o Alex e ao lado o amigo.

Ahahah ri-me por dentro. Ora dou um saco do lixo para a mão, ora sou portadora de más notícias! A vida e o seu sentido de humor lá me traziam a oportunidade não planeada de contar mais uma história.

Meiguinha e já a prever o ar de calimero a surgir-lhes no rosto, pedi desculpa pelo incómodo mas expliquei-lhes que teriam de sair porque, afinal, aqueles lugares já estavam ocupados. No entanto, nada havia a temer: tinham lugar no autocarro estacionado imediatamente atrás daquele.

O ar de calimero concretiza-se. O amigo bufa. O Alex levanta-se, novamente de costas organiza as coisas e eu dirijo-me para o meio do autocarro.

Ora, eu bem sei como estas coisinhas chateiam, não tivesse eu Mestrado em “Colecção e Sobrevivência a Pequenos Azares da Vida” que logo me levaram ao Doutoramento em “Paciência Infinita, Copo Meio Cheio e Outras Artes da Mente”.

O único truque para sobreviver a este mundo é mudar as lentes dos óculos que usamos para enxergar o que nos rodeia.
A decisão de nos agarrarmos à lamentação é nossa e é mesmo possível coar os grãos do drama à nossa volta. Há coisas que simplesmente não merecem o nosso aborrecimento porque em nada dependem de nós. É como quem se lamenta constantemente sobre o tempo. Ele não vai mudar por acumulação de queixas! Podemos ficar com uma nuvem cinzenta à nossa volta o resto do dia, ou simplesmente rir destas tropelias. Eu prefiro rir de tudo, não consigo levar nada demasiado a sério.

Os dois amigos viram-se cabisbaixos, finalmente prontos. A ironia do momento é digna de gargalhada, não fosse o protagonista da série em questão.

Com ar dócil mas quase de beicinho, encolhe os ombros e com um sorriso de esguelha olha-me nos olhos com ar de quem está habituado a que estas coisas lhe aconteçam. Passa por mim para descer as escadas, ficamos a poucos centímetros um do outro pelo que me sai da boca fora em tom fofo mas gingão:

-Come on maaaan, it’s not the end of the fucking world. :)))

Assim que o digo, o amigo levanta a cabeça curioso. Eu dou um salto ao aperceber-me do que acabava de acontecer. O Alex olha num instante para trás com um sorriso de orelha a orelha enquanto me pisca o olho e acena.

Aceno e pisco o olho de volta. Desço as escadas enquanto solto umas gargalhadas sozinha. Que incrível.

Dou sinal ao autocarro para seguir, ainda faltam uns quantos. Mas quando todos se forem embora, hei de ir para a tenda a correr: afinal é este tipo de histórias que me dá gosto escrever no tal do meu caderninho.

Mais uma volta ao Sol

Dei mais uma volta ao Sol e desde há um mês para cá, todos os dias a minha rica mãe, sempre com jeitinho, solta a derradeira pergunta em tom que suplica por verdade: “Balolas, diz-me lá, não te sentes muito só?”
Consigo sentir na voz dela a dor antecipada que se deixa escapar, só com a ideia que a sua menina se possa sentir sozinha.
“Só? Não mãe…só não”


Não me levem a mal, a pergunta vem cheia de amor e cuidado, tomara que todos os seres deste mundo tivessem alguém que lhes dedicasse cuidado sobre o quão invadidos pela solidão possam estar.


Isto de se sentir desde muito cedo que se é de todo lado e não se é de lado nenhum tem muito que se lhe diga. Mesmo que eu tivesse pavor a não estar provida de companhia humana, a verdade é que as tão infinitas e nunca demasiadas voltas que esta malha quente da vida me vai dando, também me treinaram desde muito cedo para enfrentar essa coisa que é estar apenas na minha própria companhia.


Estar sozinho é um constante mergulho gélido em todos e quaisquer poros abertos da pele que vamos vestindo desde o primeiro dia que nos expõem ao mundo.


É só quando temos tempo e espaço para o silêncio, para a reflexão e para os momentos “tcharan” do nosso espírito, que conseguimos realmente perceber quem é a voz por trás dos milhares de pensamentos que nos invadem diariamente, o que é que este corpo em que cresço gosta ou não, onde está cada um dos finos cabelos que nos caem na pele e que nos dão comichão.


Eu não julgo minimamente quem não quer nunca estar sozinho. É um grande salto que se dá o de termos de lidar constantemente com quem somos. Há tantas, mas tantas coisas que nos podem envergonhar, massacrar, espezinhar, se não olharmos para quem somos com um pouco de compaixão e paciência.


Se por vezes me questiono onde é que se pode ter tanta angústia guardada, por outro lado, também me assola a questão de como é que posso ser tanto amor?


Tive desde sempre a tendência para amar sem medida e já todos sabemos o quão boa sou a esfolar os joelhos. Mas o que é eu posso fazer em relação a isto? Não há rolha que pare uma queda de água. Ou tentem lá controlar a força do mar contra uma falésia!


Este amor todo cá dentro tem me permitido, desde muito cedo, uma ligação especial com a maioria dos seres humanos com quem me cruzo. Já fiz muita borrada, mas sabem quando até as borradas guardam com carinho?
As conexões que a vida me doou desde muito cedo ficaram em mim para sempre e apesar da distância e da velocidade com que o tempo corre, sei que as amizades e o amor são eternos. E tenho em mim o consolo que haverá sempre, numa das infinitas realidades paralelas a que podemos aceder com a nossa memória, um ponto do tempo e do espaço em que ainda partilhamos o mesmo ar.


Daí que não minta quando digo que, inevitavelmente, nunca chego a estar verdadeiramente sozinha. Tenho-me permitido guardar com cuidado todos os bonitos seres com quem me cruzo e sou uma felizarda por me menterem nas vidas deles a mim também.


Tendemos a culpar os factores externos para a nossa solidão. Com o verdadeiro equilíbrio, vivemos num dos tempos mais extraordinários da nossa civilização. Esta sorte ridícula que temos hoje em dia de podermos pegar num aparelho que nos transporta a qualquer parte do mundo e nos deixa conectar a todos os seres bonitos com quem nos cruzámos um dia, é uma sorte dada por garantida.


Dei mais uma volta ao Sol e pela primeira vez não deu para organizar uma festa com os meus mais queridos para celebrar a maravilha que é estar vivo, quando se cresce com amor. São as voltas que a vida dá e nunca pensei estar tão bem com isto.


Foram precisas 27 voltas ao Sol para finalmente saber apreciar a maravilha que é estar na minha própria companhia – que nem sempre é agradável, mas é deveras fascinante. Isto nunca seria possível sem toda a dose infinita de amor que me rega a vida diariamente, especialmente em dias como os do aniversário através de cada mensagem, chamada e demonstração de carinho. Sou-vos eternamente grata. A vocês e à vida.


Que bom é isto de a minha rica mãe não ter de esperar cinco meses por uma carta amassada que lhe garanta:
“Descansa mamã linda, descansa que eu já não me sinto só.”

Vem do Grego Antigo


Ao longo dos anos comecei a apreciar com curiosidade os vários tipos de reacções que vêm assim que lanço o desafio de saberem lidar com o nome com que me apresento.

À distância, quase consigo adivinhar o tipo de pessoa que se aproxima. Balolas. Parece que se abre um portal diretamente até ao coração das pessoas com quem me vou cruzando.

É engraçado, não é? Como uma coisa tão simples como a reação a um nome pode dar tanta informação sobre a índole do carácter de uma pessoa.

Os meus amigos, fartos desta epopeia, já suspiram. Eu já não guardo mágoas. A culpa não é do nome, é do meu atrevimento em querer manter-me fiel à pessoa de dois anos de idade que se agarrava aos tubos de Pintarolas com a alegria de quem agarra a sua própria vida.

Nunca foi minha intenção criar um mito à volta do nome, as pessoas e a forma maliciosa como tendem a lidar com o que não se encaixa no que conhecem é que fez disto uma cena.

Tenho muito carinho pelo nome que os meus pais me deram, mas há que perceber que quando me deram um nome ninguém me conhecia. Ninguém sabia quais eram as minhas paixões, como soava a minha gargalhada ou o que me deixaria de estômago apertado.

Antigamente, quando as palavras eram sagradas, os nomes eram dados com cuidado. O nome anunciava o ser singular que ali se manifestava. Eram proféticos. No entanto, os meus pais quando escolheram como haveriam de me chamar, não procuraram significados nem leram mitos associados. Seguiram o gosto do quão bem lhes soava e dali veio um nome que a meu ver até é bem bonito, mas que quer gostem, quer não gostem, não tem nada que ver comigo.

As minhas primeiras memórias vêm dos meus dois anos e meio, três anos. Ainda a Xaninha não tinha nascido. As memórias coincidem com o aparecimento do nome Balolas. Foram aquelas cores todas e aquelas bochechas com caracóis que dava beijinhos e abraços como quem respira que lhe deram o significado que até hoje o nome evoca.

Ser a Balolas é ser vulnerabilidade desde o momento em que me apresento ainda que tenha um enorme orgulho na decisão que fiz para aí aos 12 anos, numa tarde de TPCs, quando os meus colegas ouviram pela primeira vez a minha mãe chamar-me assim.

“Sou a Balolas” 
E às vezes ainda coro, é só o raio de um nome. Mas com o tempo também aprendi a responder tanto quanto o tom da pergunta o pede. Como é que as pessoas se levam sempre tão a sério?

“Não te podes chamar assim. Que horror”
“Vem do grego antigo”
“O que é que significa?”
“Ba significa “eu chamo-me” Lolas vem do “como eu bem quiser”.

Foto: Miguel Oliveira