Palma ou tudo o que eu preciso

Palma, 27 de Abril de 2018

É sexta-feira, o sol está forte e já me enchi de protetor. As pessoas passam de chinelos e com sorriso que não deixa perceber se vivem cá e estão felizes porque chega hoje o fim da semana, ou se é porque estão de férias na paz do senhor. Palma é um enorme molusco escondido numa concha de turistas, recheada de uma energia que me intriga.
Estou na varanda da casa do Willian. Conhecemo-nos há cerca de dez anos, no Algarve. Eu e os meus amigos de Resende tínhamos um t1 alugado para oito pessoas e eram as nossas primeiras férias juntos fora da vila. Um grupo de miúdos de 16 anos em Portimão durante uma semana, tinha tudo para correr bem. E correu.

À porta da Catedral conhecemos um grupo de rapazes de Santa Maria da Feira que jamais esqueceria: o Willian, o Freitas, o Zé e o Pedro, quase todos com mais de 20 anos e com um andamento incomparável ao meu estilo de vida na altura. Chamavam-se Los Bandidos e tinham nos olhos tanto de malandros quanto de amor. Todos eles de coração bom, caras bonitas e olhos malandros. Na altura eu tinha o meu primeiro namorado e demoraria vários anos a alguma vez vir a experimentar a versão carnal de uma viagem.

De todos, foi o Willian e o Freitas que mantiveram mais contacto ao longo dos anos. Há umas semanas o Willian contou-me num pranto o desastre que havia aberto a passagem do Freitas para uma outra dimensão.

Quando escrevi no Facebook que procurava quem vivesse em Maiorca não quis acreditar que nos iríamos reencontrar uma década depois, mas agora ali estávamos os dois, a tomar o pequeno almoço na varanda enquanto lembrávamos aquela semana que nos parece ter sido já há duas vidas.

No dia anterior levou-me a jantar ao Calixto, nome do dono que serve às mesas a “melhor Paella de toda a ilha”. Falava devagar, com pronúncia maiorquina e com os dentes todos à mostra. Está na ilha desde criança, a família tinha negócio de supermercados e restaurantes, os pais dele decidiram ficar-se por Palma. As seis mesas cobertas com toalhas aos quadrados calham bem com a música que sai do rádio da cozinha. Há ali uma mistura de épocas condensadas numa esplanada cujos limites se desenham por inúmeros vasos que servem de base a plantas enormes. “Às vezes não sei se vêm cá comer porque ouviram falar ou se foi por curiosidade pelas plantas”, diz-me e logo completa “nem foi pensado, comecei a comprar plantas e tive esta ideia. Fica bonito, não acham?”.

Depois da sangria fresca e da Paella devidamente digerida, o Calixto ofereceu-nos um chopito tradicional com sabor a anis – sinceramente aquele aroma não me traz grandes recordações –  éramos já os últimos no seu canto familiar. O jantar ficaria por 20 e poucos euros a cada um, mas era jantar de boas-vindas, tudo bem. Brindámos, saímos e caminhámos até à cidade velha. Maiorca é demasiado peculiar, ora nos lembra as ramblas de Barcelona, ora surgem umas ruas de bares pequenos como em Vigo, ora surge um Benidorm ali do nada, com meia dúzia de grupos de ingleses em crise de meia idade e com níveis alcoólicos graves, mas que mesmo que quisesse, não consigo julgar.

Passeámos pela parte antiga da cidade, aí já me lembrava Salamanca. A Lua começava a encher e o reflexo fazia ver-se no Mediterrâneo pasmacento. A Catedral gótica, uma das maiores da Europa, impõe-se pelo nosso caminho.

“Como é que antigamente se construíam coisas destas tudo à mão?”

Ficámos em silêncio a admirar a vista. Eu não via o Willian há 10 anos mas é como se nunca tivéssemos deixado de ser os miúdos que se encontraram em Portimão. A presença dele era confortável e a forma como tratava as mulheres viria a mostrar-se encantadora.

Pelo caminho três rapazes cruzaram-se connosco. “São tugas, tenho a certeza”, disse-me. “Vocês são portugueses!”, gritou-lhes.

Eram três rapazes na casa dos vinte e poucos anos, dois deles acabavam de se mudar para a base daquela ilha. Também trabalhavam na aviação.

“É um bom sítio para se viver, estávamos cansados do Porto”, disse um deles. “Escolheram bem, esta ilha é qualquer coisa”, respondeu-lhes o Willian.

Embora eu não tenha vindo para esta viagem no mood de noite e como já não apanho uma bebedeira há 11 meses, não tinha muito interesse em sair ali, no entanto acabámos por ir até um bar tipicamente espanhol com música pop – todos sabemos que isso signidica reggaeton-  tipicamente espanhola. Já mais tarde, apanhou-se um táxi e fomos para casa.

Seria já ao outro dia que eu iria conhecer a Niko, eslovaca a partilhar casa com o Willian e um italiano, o Lucca, que também viria a conhecer um dia depois.

Alta, de corpo escultural e cabelos longos, andava de um lado para o outro com cestos da roupa. Montou a tábua de passar a ferro e começou a engomar roupa não só dela, como também deles.

“Passas-lhes a roupa a ferro?”

“Sim, não me custa nada e eles cozinham e eu não”.

Pareceu-me uma boa troca. Os olhos castanhos dela ficavam ainda mais rasgados de cada vez que se ria. Às vezes uma gargalhada saía mais alto enquanto olhava para o telemóvel. Não tardaria a aperceber-me que havia encontrado uma alma gémea, não só em relação à forma de estar na vida, como também no humor com que a encaramos.

A partilha de memes seria imediata, não tivessemos nós estilos de vida e maneiras de pensar semelhantes. Agora as gargalhadas passariam a ser em conjunto e em breve os rapazes lá de casa torceriam o nariz a esta união feminina tão forte e não planeada.
Durante a tarde iria fazer o meu primeiro e único dia de turismo por Palma. Fomos até uma praia de água limpa e transparente, bem como Cabo Verde me havia habituado e acabei por me deixar dormir ao sol.
Vimos a que horas seria o pôr do sol, mas antes o Willian quis-me mostrar a melhor vista para Palma, que ele descobriu por “acidente”, uma das vezes em que se perdeu pela ilha. No topo do lugar havia um santo que não cheguei a perceber qual era, mas parecia estar a olhar pela cidade.

A Niko veio connosco de carro até Sa Foradada. Aluguei logo no primeiro dia um Fiat Panda no Royal Rent, em Camí de C’an Pastilla 10, um renting car de um senhor maiorquino, que me fez um super desconto assim que lhe perguntei com um choradinho simpático em espanhol “no me puedes hacer un descuentito? Soy una chiquitita portoguesa, no tengo mucho diñero na verdad”.

O Pandita aguentou-se mais que bem, andei os dez dias a conduzi-lo pelas montanhas e até em dias de tempestade não me deixou ficar mal. Sa Foradada viria a mostrar-se um dos sítios mais bonitos que vi na vida, com um miradouro inacreditável para um dos mais extraordinários pores do sol que alguma vez vi. O sol iria descer lentamente, as pessoas que ali se encontravam partilhavam o silêncio de quem aprecia a grandiosidade da natureza que nos rodeia e quando finalmente se põe o sol, como quase um ritual, costuma aplaudir-se o início de um novo descanso para a estrela que nos ilumina, pelo menos por mais um dia. Nesse dia havia nuvens na linha do mar em que o sol se punha. Não se bateram palmas, manteve-se o silêncio.

Como a fome já apertava e o frio também se fazia sentir, comemos por ali mesmo em Valdemossa. A comida estava deliciosa e não podia esperar mais por aquele sofá incrível na sala do Willian.
Há aqui uma sensação estranha de familiariedade com esta ilha, não sei o que me espera ainda pelo resto da viagem mas só pode ser algo bom. Afinal de contas, assim que peguei naquele Pandita e o conduzi, liguei a rádio e bem alto a primeira coisa que ouvi foi um sonante Roy Orbison a cantar:

Anything you want, you got it
Anything you need, you got it
Anything at all, you got it
Babyyyy

E meu deus… I know I do.

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