Quando o vi na fila da cantina da faculdade, éramos putos de 18 anos, ele estava com ar sisudo, sobrancelha franzida, casaco de cabedal castanho. Olhava para o nada, à espera da vez dele e já tinha despertado a atenção do mulherio todo, era novo no curso. Fui ter com ele e perguntei-lhe se era sempre assim tão sério. Ele sorriu. De tão má que sou a fazer apostas não podia ter feito pergunta mais ao lado, tinha acabado de conhecer aquele que para sempre inventaria as mais simples formas de me desfazer em riso. Éramos miúdos de poucos anos e as nossas cores nunca mais se desgrudaram.
Nos corredores chegaram a pintar romance, mas eles sabiam lá da existência dos amores sagrados.
Passeávamos agasalhados pelas ruas do Porto quando toda a cidade dormia, ainda não tinha nascido a vida noturna durante sete dias da semana, àquelas tantas só os vagabundos e os que dormem na rua se cruzavam. Foi-se embora do curso que abominou e cada um tem seguido o seu caminho, sempre de mãos dadas pelo trilho dos que têm mais perguntas do que respostas. É que gostávamos tanto de poder entender o mundo…Os anos passam, as dúvidas multiplicam, não sabemos nada. Ao certo não se chega a entender ninguém. “É um mundo estranho. Somos muito estranhos” “Enfim”, costuma ler-se nas legendas dos nossos verões. Será que antigamente também era assim? Hoje de manhã apareceu-me duas horas de curvas e contra-curvas depois, em Resende, com mais uma prova de que as almas gêmeas existem e nem todas são desenhadas para se beijarem na boca. Há amizades que são sagradas. Esta tarde, comíamos o bolo de chocolate que a minha mãe acabava de tirar do forno enquanto nos ouvia a trocar conselhos sobre dilemas do que mais amamos na vida: escrever. Eu tentava explicar-lhe o quanto admiro e me perco nos contos que ele imagina e num momento de silêncio a minha mãe perguntou-lhe:
-Foi por isso que chegaste a estudar um ano de jornalismo,então…por gostares tanto de escrever?
Ele riu-se enquanto acabava a garfada que ainda fumegava, deu um gole no chá verde e respondeu com voz de alma velha:
-Não, não de todo. Com o tempo apercebi-me que na verdade eu só fui mesmo parar àquele curso para conhecer a sua filha, naquela fila de cantina.
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Nos corredores chegaram a pintar romance, mas eles sabiam lá da existência dos amores sagrados.
Passeávamos agasalhados pelas ruas do Porto quando toda a cidade dormia, ainda não tinha nascido a vida noturna durante sete dias da semana, àquelas tantas só os vagabundos e os que dormem na rua se cruzavam. Foi-se embora do curso que abominou e cada um tem seguido o seu caminho, sempre de mãos dadas pelo trilho dos que têm mais perguntas do que respostas. É que gostávamos tanto de poder entender o mundo…Os anos passam, as dúvidas multiplicam, não sabemos nada. Ao certo não se chega a entender ninguém. “É um mundo estranho. Somos muito estranhos” “Enfim”, costuma ler-se nas legendas dos nossos verões. Será que antigamente também era assim? Hoje de manhã apareceu-me duas horas de curvas e contra-curvas depois, em Resende, com mais uma prova de que as almas gêmeas existem e nem todas são desenhadas para se beijarem na boca. Há amizades que são sagradas. Esta tarde, comíamos o bolo de chocolate que a minha mãe acabava de tirar do forno enquanto nos ouvia a trocar conselhos sobre dilemas do que mais amamos na vida: escrever. Eu tentava explicar-lhe o quanto admiro e me perco nos contos que ele imagina e num momento de silêncio a minha mãe perguntou-lhe:
-Foi por isso que chegaste a estudar um ano de jornalismo,então…por gostares tanto de escrever?
Ele riu-se enquanto acabava a garfada que ainda fumegava, deu um gole no chá verde e respondeu com voz de alma velha:
-Não, não de todo. Com o tempo apercebi-me que na verdade eu só fui mesmo parar àquele curso para conhecer a sua filha, naquela fila de cantina.


Um pensamento em “A fila de cantina”