(No regresso ao Porto)
A tarde prolongou-se sem que nos déssemos por ela e de repente já é noite quando saio da casa de uma das minhas melhores amigas.
Bato a porta de casa dela enquanto coloco os headphones e procuro a música que quero que me acompanhe até casa da minha irmã.
Está já escuro e há um beco mesmo à minha frente, ao descer o degrau para a rua vejo que não há sinal de pessoas no caminho que vou seguir. Estão apenas dois homens a conversar no lado da rua que ficará atrás de mim, do lado direito da casa dela.
Vou de saia e meias rendadas, tudo em tons escuros, como já é costume. Não foram precisos mais do que vinte segundos para ouvir:
– OH MENINAH
O alerta do costume dá-me um aperto no estômago de quem já está preparada para ouvir uma merda qualquer desagradável.
Já todas perdemos a noção das enxurradas de frases e palavras asquerosas que homens de todas as idades nos presenteiam nos seus comentários de quem não tem tento na língua. Os últimos 4 anos em Lisboa criaram uma programação instantânea para chaves no meio dos dedos, ouvidos moucos e cabeça defensiva. Sigo em frente e finjo que não ouvi.
– OH MENINAAAH
Quando é assim respiro fundo e não aguento. O tom com que me chamava dava asas a demasiados tipos de interpretações. Esqueço a programação e olho para trás. A minha postura à primeira vista confiante insinua um gentil mas resistente “Sim, meu senhor, diga lá”.
De cigarro na mão e já com alguma saudade dos seus 50 anos, dá mais um bafo e diz com a pronúncia mais linda deste país:
– Oh meninah!!! Tem a sua sainha lebantanda!!
Oh meu Deus. Ponho as mãos no rabo.
Está mesmo. Todo à mostra. Yep. Eis-me de pandeireta ao léu, de padrão rendado e coração a mil.
Sai-me automaticamente um sorriso maior que eu em tom de reconhecimento. Tiro a saia presa no elástico e levo as mãos ao peito enquanto olho para ele agradecida e com aquele ar de quem sabe que se nos viu o rabo, ali ao léu bem descarado, está tudo bem.
– Ai meu Deus!! Muito obrigada!!
– De nada meninah!! De nada!!!
Viro-me de saia composta e dignidade recuperada, um “meninah” no coração e a nalga um bocadinho mais arejada. E pronto, lá sigo de música nos ouvidos e de alma cheia como quem acaba de ser salva com carinho, a rir-me de coração grato.
Que maravilha é estar de volta ao meu rico Porto ♥️
