Dubrovnik. Da antiga república à loucura de Game of Thrones

É a cidade mais cara de toda a Croácia. A História consagrou-a como especial e hoje em dia é atração da indústria cinematográfica. De “Game of Thrones” a “Star Wars”, eis a viagem à antiga República de Dubrovnik

A manhã começa muito cedo em Dubrovnik e as ruas já se transformaram num mar de gente.

A “Old City”, como todos lhe chamam sem traduzir para qualquer outra língua, tem uma entrada imponente, mas na primeira noite ficámo-nos por um hostel fora das muralhas de Dubrovnik.

Ao pousarmos as mochilas decidimos descansar o corpo por algumas horas. Mais tarde, deparámo-nos com a realidade mais óbvia: estamos na cidade mais cara de toda a Croácia. Aqui não haverá bolso que aguente comer fora, daí que o segredo é ir ao supermercado comprar o habitual salvador dos pobres e oprimidos: o atum.

A sensação em Dubrovnik é a de estarmos numa espécie de parque de diversões. Chamam-lhe a Pérola do Adriático.

À volta, tudo é verde, as encostas estendem-se mar adentro, e quem vê ao longe a imponência das muralhas sente-se hipnotizado.

Dentro das muralhas há milhares de turistas que se empurram e tropeçam para tirar a melhor selfie no melhor ângulo possível. Há lojas alusivas a “Game of Thrones” em todo lado. Veem-se curiosos de todas as idades.

Uns chegam cá pelo que Dubrovnik representa na história do mundo, outros vêm matar a sede de quem vê muito cinema e televisão.

Dubrovnik tem sido cenário principal da série “Game of Thrones”, mas também “Star Wars” foi este ano filmado dentro das muralhas e contam-nos em segredo que se diz que as filmagens do próximo James Bond podem passar-se lá. Afinal de contas, diz-se que o espião jugoslavo Dusko Popov – nome original da personagem histórica que deu origem ao herói das telas de cinema criado por Ian Fleming – viveu em Dubrovnik a certa altura.

Em Split, um senhor que conheci num café tinha-nos dado o contacto de uma pessoa em Dubrovnik para que pudéssemos encontrar um guia de qualidade. Depois de entrar em contacto com esse número e de essa pessoa entrar em contacto com outra pessoa que conhecia a pessoa certa, eis que se marcou o tal encontro. Na manhã seguinte, bem cedo, o sol já queimava. Depois de nos mudarmos para um quarto dentro das muralhas, aproveitámos para lavar a pouca roupa que trouxemos.

Não tardámos a reparar que o esforço das tentativas de contacto com os guias turísticos valeu a pena.

À nossa frente teríamos uma guia sensacional que, na verdade, estava longe de ser uma especialista em turismo aleatória. Jelena Šimac, ex-jornalista premiada de 36 anos, sentava-se à nossa frente para um café e falava-nos do quanto se dececionou com a forma como se faz jornalismo hoje em dia.

“Já não se vai para a rua. Eu queria um jornalismo de pessoas, de contacto humano, mas fechavam-me na redação.” Recebeu em 2013 o prémio da Croatian Association of Journalists como melhor jornalista online, juntamente com a colega Ana Benaci, mas a profissão já não a fazia feliz e decidiu enveredar pelo ensino. Mais tarde, quis algo diferente e decidiu certificar-se pelo Ministério do Turismo da Croácia para poder trabalhar como guia turística em Dubrovnik, de onde é natural.

Jelena adora viver na cidade, ainda que hoje em dia seja economicamente impossível viver entre muralhas. Há quem assegure que o custo de vida em Lisboa consegue ser 13% superior ao de Dubrovnik nos dias que correm.

A beleza natural rodeia Dubrovnik, bem como todo o movimento da cidade. “Mas a História, isso sim, enche o espírito”, repete-nos Jelena com um sorriso no rosto. As muralhas foram construídas no séc. xii, para que a então República de Ragusa se defendesse de ameaças de invasores. Já em 1120 se elegiam os seus governantes. Jelena fala-nos do poder dos mercados marítimos da antiga república, das técnicas diplomáticas que a tornaram famosa e das amizades económicas com povos distantes, como os da Índia.

A ex-jornalista está grávida de seis meses, mas continua a fazer o percurso diário de três horas a pé, entre escadas e fortalezas, para acompanhar os turistas que querem saber mais sobre a origem daquele pequeno paraíso.

Jelena conta-nos que a cidade não teve de se recompor apenas do terramoto que a deixou em mau estado em 1667. Entre 1991 e 1992, a guerra também chegou a Dubrovnik, apanhando toda a população desprevenida. “Ninguém achou que chegaria aqui, então ninguém tinha armas, mantimentos, esconderijos.” Hoje, a UNESCO tem os olhos postos na cidade que, apesar de pequena, conserva monumentos de vários estilos arquitetónicos, como o gótico, barroco e renascentista.

Jelena conta-nos que a antiga República de Dubrovnik era muito avançada para a época, sendo pioneira em várias instituições públicas. “A abolição da escravatura é um dos grandes marcos da nossa história. Em Dubrovnik foi completamente proibida qualquer espécie de escravatura em 1418”, conta-nos, orgulhosa.

Fazemos a Free Walking Tour – “Secrets of Dubrovnik” com Jelena e torna-se óbvia a paixão que nos descrevia pelo contacto humano e a história da cidade. Há quem se vista a rigor pelas ruas de Dubrovnik, os que dançam e cantam, na fortaleza veem-se os preparativos para um casamento. Mais tarde passeamos pela cidade e somos surpreendidos por uma tempestade. A chuva cai sem piedade e abrigamo-nos numa loja de souvenirs.

Karla tem 18 anos, mas parece bem mais velha. Com um sorriso doce, diz-nos para nos chegarmos mais para dentro, não vá o vento surpreender-nos também. Abrigadas connosco e bem-dispostas estão quatro inglesas de alguma idade. Tal como o rapaz do hostel do norte da Croácia que estudava Engenharia, Karla faz este biscate para pagar a faculdade.

A chuva não abrandava e decidimos correr pelo labirinto de ruas e ruelas, agora completamente vazias. São demasiadas esquinas e as esplanadas e os pontos de referência haviam desaparecido todos. Não nos lembramos de como chegar ao hostel, abrigamo-nos num toldo. Víamos o dilúvio e lembrávamo-nos da recente alegria de quem tinha visto um sol quente que anunciava secar a nossa roupa estendida, finalmente lavada. A ironia dos timings. Daí a nada, desanimadas e de roupa colada ao corpo, lá demos com a nossa pequena e acolhedora fortaleza, para onde corremos com os pés submersos num rio prestes a desaguar no Adriático.

https://ionline.sapo.pt/artigo/583196/dubrovnik-da-antiga-rep-blica-a-loucura-de-game-of-thrones-?seccao=Portugal_i

Croácia. O romantismo de Split sai caro

Águas límpidas, paisagens dignas de postais, uma inundação de turistas e preços que nos assaltam a carteira e a calma. Do amor à História à paixão pela natureza, a Croácia confunde-nos com uma mistura de emoções.

Foram demasiadas horas de estrada para quem vai encolhido no banco de trás de um carro. Quando finalmente chegámos perto de Split, já era hora de jantar. Tínhamos encontrado no Booking um apartamento a dez minutos da cidade e ficámos por lá; chamava-se Apartmani U Kastelina.Os croatas não têm feições muito simpáticas e muitos dos sorrisos que damos não têm resposta de volta, mas de vez em quando aparece uma cara mais feliz que compensa as outras todas.

Os senhorios eram um casal bastante peculiar. Ela com ar de nova, bastante maquilhada, com umas calças justas que lhe realçavam as curvas. Ele, bem mais velho, parecia ter um metro e noventa, pernas finas, calções demasiado curtos e uma barriga empinada numa camisola interior antiga, de alças. Viríamos a perceber que os homens croatas são de grande porte, no geral. Estávamos em Hrvatska, a casa ficava mesmo em frente a uma praia, dois quartos e uma casa de banho ficaram-nos por 35 euros. O jantar foi numa pizzaria com um terraço verde em frente ao mar. Na entrada havia uma dançarina e o Restaurant Ballet School mostrou-se um canto agradável, embora os funcionários não nos tenham mostrado muitos dentes. Há bastantes gatos na rua, a Diana diz que lhe faz lembrar a Grécia.

As águas do mar da Croácia são efetivamente límpidas mas, habituada às praias portuguesas onde passei tantos verões, fica muito difícil sentir-me impressionada. Até porque, até então, tudo o que vimos foram praias de pedra; areia, só daquela que parece terra: castanha escura, fina, como chocolate em pó.

Essa noite foi mais difícil, havia muitos mosquitos, mas estávamos tão cansados que nem deu para notar as picadelas, só ao outro dia, quando elas se tornaram enormes caroços espalhados pelo corpo todo.

Seguimos em direção a Split, mas antes decidimos parar na fortaleza de Klis, onde se fizeram as filmagens da cidade de Mareen em “Game of Thrones”. O castelo fica numa colina perto de Split e tornou-se uma enorme atração turística graças à série da HBO. Um jovem chamado Mate, sócio de um pequeno café local, diz-nos enquanto olha para as fotografias com os atores da série numa moldura que aquela pequena localidade bateu recordes de dormidas no ano passado, algo que o seu negócio tem agradecido. Um euro equivale a sete kunas croatas e, nesse dia, começámos a perceber o que nos esperava. As porções de comida eram mínimas, ao contrário do que nos pediam por elas; os snacks nos supermercados acabariam por salvar-nos.

O Miguel e o amigo iam em direção a Dubrovnik e, por isso, deixaram-nos em Split, a segunda maior cidade do país. O centro da cidade está entre muralhas. O Palácio de Diocleciano, mandado construir pelo imperador homónimo, está tão bem conservado que nos faz recuar ao tempo entre a Antiguidade clássica greco-romana e aIdade Média. Lê-se em folhetos sobre a cidade que o imperador romano Diocleciano ordenou que se construísse este palácio para que pudesse usufruir dele depois de se retirar do poder. Dentro das muralhas impõe-se um minucioso labirinto de ruas apertadas onde centenas de lojas e restaurantes se encaixam para receber os milhares de turistas que por ali passam todos os meses. A cidade, porém, vai além das muralhas e as 2800 horas de luz solar durante o ano atraíram ao longo dos tempos multidões que se decidiram a viver por lá. Hoje contam-se cerca de 180 mil habitantes, que nomearam Split “Flor do Mediterrâneo”.

Mais uma vez, encontrar o hostel não foi fácil e acabámos por perceber que na Croácia as receções tendem a não ser no local onde se dorme. Temos, por isso, de andar mais um pedaço de mochila às costas até podermos finalmente descansar. No hostel conhecemos uma canadiana de 28 anos; chama-se Danielle e começou a viajar sozinha em 2015, aos 26 anos. Tem viajado pela Europa, já visitou 30 países e conta-nos que, hoje em dia, nunca se viaja sozinha porque se acaba sempre por se conhecer gente em todo o lado. Algo que temos comprovado, já que em todos os sítios que passámos temos trazido gente no coração e adicionado números e contactos de Facebook durante toda a viagem.

Na manhã seguinte, os nossos corpos agradeceram que tivéssemos ido ao supermercado recolher mantimentos para o nosso pequeno-almoço. Iogurtes gregos estão em todo o lado e nunca pensei que os cereais que como todos os dias em Portugal viessem a saber-me tão bem fora de casa. Aproveitámos algumas horas da manhã para trabalhar e, um pouco mais tarde, daria de caras com o Robert, um norte-americano que conheci no Generator Hostel, em Veneza, e cujo hostel em Split era a cem metros do nosso. Ele estava de ressaca, tinha voado de Roma nesse dia e ainda não tinha almoçado, por isso fez-nos companhia num restaurante que nos serviu uma pasta incrível. O Robert, que veio do Arizona, é engenheiro e tem 25 anos. Despediu-se do trabalho e decidiu viajar durante três meses. Acompanha-nos enquanto falamos com pessoas nas ruas de Split e, mais tarde, jantámos todos juntos. Estamos todos cansados, há demasiadas pessoas na rua, demasiados selfie sticks, demasiados souvenirs.

O dia acaba na varanda do nosso hostel, enquanto bebemos uma cerveja e comemos amendoins. Não é tarde, mas o dia já deu o que tinha a dar. Ao longe está o mar, as ruínas de Split e uma lua a crescer com uma estranha tonalidade laranja. Marca-se o despertador para cedo. Amanhã seguimos para Dubrovnik.

 

Foto: Diana Tinoco

Publicado em: https://ionline.sapo.pt/artigo/582979/croacia-o-romantismo-de-split-sai-caro?seccao=Portugal_i